Crítica | Better Call Saul – 1ª Temporada

E Vince Gilligan Fez Novamente…

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Quando Vince Gilligan anunciou que faria um spin-off de Breaking Bad, centrado no advogado trambiqueiro Saul Goodman (Bob Odenkirk), muitos fãs órfãos da série (eu incluso) sentiram como se suas preces tivessem sido atendidas. A ideia era ótima, séries derivadas são a moda do momento, e Saul era um personagem carismático o suficiente para estrelar seu próprio show. No entanto, corria o risco de toda essa expectativa acabar funcionando contra o próprio programa, afinal de contas, Better Call Saul nascia com a ingrata missão de se provar a altura de um dos maiores fenômenos recente da história televisiva. Mesmo se a série se provasse boa, como de fato é, a sombra de Heisenberg ainda era algo grande demais.

Sabiamente, antevendo essa inevitável (e injusta) comparação, Gilligan não se acovarda e abraça os paralelos entre as duas séries. Muito da atmosfera do show remete imediatamente a Breaking Bad, seja pela paleta de cores saturadas, os ângulos de câmera inusitados, ou os diálogos ágeis e espertos, tudo evoca aquela sensação de familiaridade. As participações de personagens conhecidos daquele universo só reforçam essa ideia. A aparição de Tuco Salamanca (Raymond Cruz) no episódio piloto, por exemplo, é fan service puro. Porém, nada disso funcionaria se a série não tivesse força para caminhar com as próprias pernas. E esse é talvez o maior trunfo de Better Call Saul, ter identidade própria.

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Ainda que seja um prelúdio, é bom tem em mente são dois produtos distintos. Mesmo que Better Call Saul emule o estilo consagrado de Breaking Bad, seu tom e proposta são bens diferentes. Trata-se de uma comédia com toques de drama, afinal. Ambientada seis anos antes da original, a história mostra a transformação de James McGill, em Saul Goodman (em uma trajetória muito parecida com a de Walter em Heisenberg). Jimmy é um advogado de porta de cadeia, vivendo em um escritório improvisado nos fundos de um salão de beleza, que sobrevive de pequenos casos da defensoria pública de Albuquerque. A cena inicial do piloto é um flashforward em preto e branco dos eventos ocorridos ao final de Breaking Bad. Vemos Saul tentando recomeçar a sua vida, vivendo sob um nome falso, como um gerente de uma loja em Nebraska, relembrando seus momentos de glória assistindo aos seus antigos anúncios em VHS, para depois voltarmos à época que ele ainda tentava se estabelecer como advogado.

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Apesar de tentar seguir um caminho diferente, Jimmy no fundo sempre foi o Saul que conhecêssemos. Ainda que os eventos finais deem o empurrão necessário nessa direção, o fazendo desvencilhar-se das amarras morais que o impediam de ser totalmente “desonesto”, a série mostra que a picaretagem não só sempre esteve presente em toda a sua vida, como era o que ele sabia fazer de melhor. Bob Odenkirk consegue acrescentar certo frescor ao personagem, tornando-o um pouco mais ingênuo ao qual estamos acostumados, mas igualmente carismático. Nós acreditamos que ele realmente está tentando fazer o que é correto, e deixar os tempos de Jimmy Sabonete para trás. Sua relação com seu irmão mais velho e doente Chuck (Michael McKeen), é muito bem desenvolvida, e ajuda a criar as bases para que acreditemos nessa mudança. É a admiração por Chuck que leva Jimmy a cursar advocacia e o faz andar na linha por tanto tempo. O roteiro é bem competente ao não colocar sobre a desavença entre os irmãos toda a culpa por Jimmy escolher o caminho que o leva a se tornar Saul. Ainda que a traição de Chuck seja o ponto alto que determine essa virada na história, o fato é que a vida honesta e certinha nunca foi tão recompensadora assim para Jimmy. Isso fica muito bem exemplificado no episódio final.

Ao longo dos dez episódios que compõem essa temporada, os criadores e produtores da série Peter Gould e Vince Gilligan, se encarregaram de desenvolver gradualmente a transformação de Jimmy. Não é tão radical quanto a metamorfose de Walter, mas é sim bem similar. Ambas as séries acertam em não fazerem de seus protagonistas vítimas das circunstâncias. Tanto Walter quanto Saul se tornaram quem são, não só pela imposição do destino, mas por escolha própria. Toda a vez que a vida o sabotava, Jimmy flertava com seu passado trambiqueiro. E a verdade é que ele era indiscutivelmente melhor quando usa de sua lábia e armações para se dar bem. Admitir isso (nem que seja para si mesmo) era só uma questão de tempo.

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Um dos personagens secundários favoritos de muitos em Breaking Bad, o ex-policial Mike Ehrmantraut, interpretado pelo ator veterano Jonathan Banks, é outro que reaparece por aqui. E ele consegue roubar a cena, protagonizando um dos melhores episódios da temporada (Five-0). Temos um vislumbre do passado misterioso de Mike, e entendemos um pouco mais suas motivações. Banks consegue (des)contruir o personagem de forma brilhante, mostrando aqui uma outra lado do personagem, de forma sutil, mas precisa. O roteiro que conta a história de forma não linear também ajuda bastante nessa composição. Isso sem mencionar a química entre ele Odenkirk, que só acrescenta a série. Mike com certeza deve ganhar mais tempo de tela ainda na próxima temporada.

Além das comparações a série consegue fugir de outra cilada, que é fato de sabermos o desfecho da trama. Ainda que a história pareça se afastar em alguns momentos, pesa o fato de sabemos que em algum ponto ela culminará em tudo aquilo que já conhecemos. Não há um elemento surpresa quanto ao destino dos personagens. A graça aqui, no entanto, é ir encaixando as peças do quebra-cabeça, e descobrir como as coisas chegaram aonde chegaram. E o pulo do gato do show é nos entreter do mesmo jeito ao nos entregar algo que achamos que conhecemos. No final das contas, parece que não faz muita diferença saber de antemão que Jimmy irá se tornar um dos advogados mais conhecidos de Albuquerque, ou que Mike ingressara de vez para o mundo do crime, Gilligan faz com a jornada seja tão prazerosa de se assistir quanto o destino final.

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Better Call Saul deve sim chamar a atenção por causa de sua série mãe, mas não se enganem, ela merece os elogios de público e crítica por méritos próprios. Ela sem dúvida carrega o selo de qualidade Netflix e da AMC, além da assinatura de Vince Gilligan, que se já não era sinônimo de boa televisão, é agora garantia certa de qualidade. Seja bem vindo de volta a telinha, Saul Goodman. Nós espectadores agradecemos.

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