Leve, Divertida E Sem Medo De Se Assumir Uma Série Baseada Em Quadrinhos
Aviso: O texto abaixo contém spoilers, leia por sua conta em risco.
Depois de tanta tentativa, a DC finalmente acertou a mão em uma série de super-herói com The Flash. A série encerrou sua temporada de uma maneira tão bacana, sem medo de se assumir uma série baseada em quadrinhos, que nem parece ser uma produção do mesmo canal que ainda confunde o Arqueiro Verde com o Batman.
Sério, The Flash realmente me conquistou. Não dava muita coisa por ela, mas ela veio de mansinho, como quem não quer nada, e conseguiu me surpreender positivamente. Nem lembro quando foi a última vez que curti tanto um seriado da Warner assim. A série é leve e divertida como há muito tempo a DC Comics não se permitia ser em suas adaptações.
Essa diferença no tom é uma das coisas que mais me agradou na série. De uns tempos pra cá a DC/Warner vem apostando nessa aura mais dark em tudo que é série e filmes que tem feito, e tem dividido boa parte dos fãs. Remando contra a maré, The Flash é colorida, cheia humor, e não tem a mínima vergonha em aceitar a comicidade, e até mesmo a cafonice dos quadrinhos que a originaram. E caraca, como é bom ver isso. Como é legal ver uma série de herói descontraída, que não se leva assim tão a sério.
Nesse sentido a série tá bem mais próxima ao que a Marvel tem feito nos cinemas com seus super-heróis. O Barry Allen da série lembra bastante o Homem-Aranha do Sam Raimi (aquele mesmo do Tobey Maguire!), com seu jeitão meio nerd e paixão não correspondida por um amor de infância. E quer saber? Ficou bem legal. Grant Gustin, que se tornou conhecido após ter participado de Glee, é um daqueles atores carismáticos. É fácil simpatizar com o drama do seu personagem e torcer por ele. Seu Barry é mais jovem, inexperiente, mas tem o mesmo coração e senso de justiça do Velocista Escarlate que conhecemos. Embora não concorde muito, não é difícil de entender por que tanta gente o quer como o Flash dos cinemas, ao lado de Ben Affleck e Henry Cavill (Cadê aquela galera que dizia que ele não servia para o papel agora?).
É bacana também a homenagem que a série presta ao antigo seriado do herói, trazendo o ator John Wesley Shipp, o Flash dos anos 90, como o pai da nova versão do Barry. Outros atores do antigo programa dão as caras em pequenas participações, como a atriz Amanda Pays, que viveu a Dra. Christina McGeena, e retorna aqui como uma antiga associada do Dr. Wells, e o eterno Luke Skywalker, Mark Hamil, que reprisa o seu papel como o vilão Trapaceiro. Esse tipo de participações não são algo novo em se tratando das séries do canal (Smallville já fazia à isso muito tempo atrás com figuras do universo do Superman), mas mostra o respeito que a série tem pelo personagem. Respeito esse que se estende para toda a cultura nerd de modo geral. O episódio com o Hamil, por exemplo, é prova disso, fazendo varias alusões à Star Wars. Ou quando o Prof. Martin Stein solta o famoso slogan de Stan Lee (Excelsior!) no episódio final.
Mas nesse quesito ninguém supera a referência ambulante que é o Cisco. O assistente dos laboratórios S.T.A.R., interpretado por Carlos Valdés, se tornou de longe o meu personagem favorito na série. O cara é um ótimo alivio cômico. Assumidamente nerd, ele sempre acaba encaixando uma piadinha da cultura pop (tem desde Douglas Adams à De Volta Pro Futuro). A ideia de fazê-lo nomear os vilões também é ótima, e meio que justifica alguns dos nomes ridículos que alguns dos antagonistas do Flash possuem (Patinadora Dourada? Ladrão do Arco-Íris? Sério?!). É bom ver o senso de humor com que eles lidam com a tosquice das HQs, abraçando-a com força, ao invés de nega-la, ou tentar “Nolanizar” a coisa, fazendo algo sério e realista. Chega né, por favor! É bom ver uma série que sabe como rir de si mesma.
Mas nem tudo são flores. Embora não tenha a mesma cara de novela mexicana que a série que a originou (eu juro que tentei ter toda boa vontade do mundo com Arrow), pesa contra ela o seu formato. Séries longas, com mais de vinte episódios, do tipo caso da semana, costumam encher linguiça até dizer chega, e isso ocorre aqui diversas vezes. Os mais prejudicados com isso são os vilões, que acabam se tornando tão genéricos quanto possível. Fora a dupla formada por Capitão Frio (Wentworth Miller) e Onda Térmica (Dominic Purcell) poucos se salvam (aliás, parabéns pra quem teve a ideia de colocar os irmãos de Prison Break na pele dos dois).
Na verdade, o grande problema talvez seja a formula dos episódios, que é tão manjada que acaba tornando chatos momentos que poderiam ser realmente épicos. Basicamente, semana após semana eles repetiam tudo que tinha acontecido no capítulo anterior com um novo vilão. Sério, o roteiro seguia sempre a mesma linha: Barry encontra um meta-humano. É derrotado por ele. O Dr. Wells (Tom Cavanagh) o encoraja a se tornar um herói melhor, o lembrando de quantas vidas ele salvou e pode vir a salvar, enquanto Cisco e Caitlin (Danielle Panabaker) bolam uma solução para neutralizar os poderes do vilão. Só aí Barry finalmente o derrota. Ah sim, e a Iris (Candice Patton) continua sendo a mesma chata de sempre, torrando a paciência de todo mundo. Haja saco!
A coisa só melhora de figura quando o foco da trama se concentra quase que exclusivamente em descobrir a identidade do Flash Reverso. Aí sim a coisa começa a fluir de verdade. Tom Cavanagh tá ótimo como Eobard Thawne/Harrison Wells. O cara torna impossível odiar o personagem, mesmo ele sendo um baita de um FDP. Os produtores tem que arrumar um jeito de trazê-lo de volta para a próxima temporada, ou arranjar algum vilão tão icônico quanto para substituí-lo (Talvez Grodd ganhe mais espaço no segundo ano, quem sabe).
Outro ponto negativo pra mim é o melodrama. Ela é excessivamente dramática em alguns momentos, e isso irrita bastante às vezes, mas ciente disso, ela sabe bem como compensar os fãs. Peguemos o season finale, por exemplo. É um ótimo jeito de terminar uma temporada, cheio de referências e possibilidades para o futuro, mas reparem como ele é exagerado nesse sentido. E não tô falando do reencontro emocionante do Barry com a mãe, ou do lindo discurso que o pai dele faz sobre as consequências de alterar o passado, que estão entre os pontos fortes do finale, me refiro ao quanto de tempo eles investem no dramalhão, com todo mundo vindo aconselhar Barry um por vez. Tudo do modo mais novelão possível, com aquela cara de despedida, e direito até para pausa para choradeira. (Cacete! tem até um casamento! Tem algo com mais cara de capítulo final de novela, do que casamento?).
Mas aí que entra a sacada de The Flash, toda vez que o melodrama aumenta, eles arrumam um jeito de puxar as coisas de volta para o lado dos quadrinhos. E quando tu acha que tudo vai terminar em lágrimas e dramas familiares, eles investem pesado na ação e efeitos, e inserem tanta coisa legal das HQs de uma só vez, que é impossível para os fãs não vibrarem. Sério, os quinze minutos finais da temporada é um presente para os fãs. Da referência ao Joel Ciclone, ao flerte maroto com a possibilidade de um dia ver Crise Nas Infinitas Terras adaptada na TV, tudo soa tão perfeito, tão grandioso, que nessas horas até o fã mais extremista tem que dar o braço a torcer, e reconhecer que dessa vez a CW mandou bem pra cacete. E assim, malandramente, a série consegue agradar tanto os fãs de longa data do personagem, quanto os não leitores de quadrinhos.
Esse equilíbrio é uma das coisas mais legais de ver na série. Ok, a gente entende que o CW é uma emissora aberta, e precisa dialogar com um público muito mais amplo do que somente os leitores de quadrinhos. Mas viu como é possível agradar a gregos e troianos quando querem? Já na primeira temporada The Flash explora temas como viagem no tempo, realidades paralelas, e estabelece a base para o conceito de multiverso ser utilizado na TV, de uma forma que a galera que não tem a menor noção do que nada disso se trata goste e curta tanto o show, quanto o pessoal que está familiarizado com esse universo há tempos. Doeu, Warner?
Com uma premissa que flertou o tempo todo com um dos melhores arcos dos quadrinhos do personagem (Flashpoint, conhecida por aqui como Ponto de Ignição), atuações bacanas, efeitos especiais decentes, e a possibilidade de inserção de tantas outras coisas legais das HQs, The Flash encerra seu primeiro ano de uma maneira surpreendentemente promissora. É um ótimo acerto do CW na tentativa de consolidar seu próprio universo na TV, e me fez ficar curioso para ver o que eles pretendem com Legends of Tomorrow, série que deve montar a primeira super equipe de heróis da DC na telinha. Ainda há o que melhorar, mas eles parecem ter aprendido com os tropeços do passado (alguém aí se lembra do pesadelo que foi Birds of Prey?). Fica a minha torcida para que melhorem logo o design do uniforme (qual é da obsessão que esses caras têm com couro, afinal?), e tragam o Wally West e o Bart Allen para o meio da brincadeira.
Multiverso, aí vamos nós!
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Essa resenha me faz ver como a trilogia do Batman do Nolan pode ter sido prejudicial a DC no cinema, justamente por criar a ideia de uma necessidade de um mundo realista.
Talvez ela devesse realmente usar as séries como parâmetro para uma abordagem nova e maia ousada no cinema.
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Sim. A trilogia do Nolan é ótima, mas essa estética não funciona com todos os Super-heróis. Já imaginou se adaptarem os Novos Deuses e Apokolips pro cinema com esse tom realista? Fala sério, né! Mais fantasia, menos realismo… rs
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