O Melhor Blockbuster do Ano Até agora!
Aviso: O texto abaixo contém spoilers, leia por sua conta em risco.
É com um enorme atraso que finalmente escrevo sobre o novo Mad Max. Eu já havia quase desistido de fazer essa resenha (o filme já saiu tem uns três meses, né), mas aproveitando que o filme está chegando em DVD e Blu-ray, e que o Box com a trilogia clássica está sendo relançado (Yeah!) é a oportunidade perfeita que eu tenho para falar desse filme épico. Afinal de contas, Estrada da Fúria é um blockbuster grandioso demais pra eu simplesmente deixar passar batido. Então, você, amigo leitor, que a essa altura já deve ter visto, revisto e pirado com o filme, lido tudo quanto é crítica e notícia em tudo o que é canto, vai lá… Puxa uma cadeira, senta aí e vamos trocar umas ideias sobre esse filme que é sem dúvidas um dos melhores de 2015.
Que filme, amigos! Que filme adorável! Mesmo eu tendo ficado bastante empolgado com os trailers, e esperasse que o filme honrasse o legado da franquia, foi realmente surpreendente como além de cumprir com todas essas expectativas, Mad Max – Estrada da Fúria elevou a coisa a um novo patamar e se tornou o melhor blockbuster do ano pra mim até agora. E olha que eu gostei bastante de Vingadores: Era de Ultron e Jurasic World, mas cacete, Mad Max está em outro nível de fodacidade.
Eu normalmente fico com um pé atrás toda vez que escuto falar na palavra remake ou reboot, principalmente quando se trata de filmes que cresci reverenciando, como os da trilogia Mad Max, mas tenho que admitir que a ideia de revisitar esse universo pós-apocalíptico foi genial. E muito bem-vinda. Eu nem lembro qual foi a última vez que um filme de ação me impressionou e empolgou tanto.
O veterano diretor australiano, George Miller, mostra que não perdeu a mão e nos entrega um dos melhores exemplares do gênero, e dá uma verdadeira aula de como se fazer cinema de ação. Sério, as perseguições nesse filme fazem as manobras de Velozes e Furiosos parecerem corrida de Kart. A primeira hora da projeção é praticamente uma sequencia ininterrupta de ação no deserto, com carros que são verdadeiros tanques de guerra, munidos de lança chamas, metralhadoras, arpões e o que mais puder ser utilizado como arma. Sem contar o caminhão de som gigante, que tem um guitarrista pendurado tocando uma guitarra que solta fogo (?!). Mas o mais impressionante é o modo como Miller filma tudo isso. Não há cortes bruscos, ou câmeras tremidas que se tornaram tão comum nos Blockbusters de hoje em dia. Diferente de filmes como Transformers, onde mal podemos decifrar o que diabos está acontecendo na tela, por mais insana que a ação seja aqui, não é nada que o espectador não consiga acompanhar. E Miller ainda consegue extrair belíssimos enquadramentos em meio as cenas de pancadaria.
Ajuda muito também o fato de que a grande maioria do que vemos na tela é real. Tem muito pouco CGI nas cenas de ação, a maioria das explosões e batidas que testemunhamos são efeitos práticos. E como nos filmes anteriores, os designs dos veículos continuam sendo um dos pontos altos da produção. Mesmo o Interceptor sendo o meu favorito, fica difícil não ficar boquiaberto quando você vê a carcaça de um carro sobre um chassi de um tanque (WTF!), ou aquele porco-espinho sobre rodas usado pelo povo da areia.
Ainda sobre os detalhes técnicos, a paleta de cores de Estrada da Fúria é uma das mais embasbacante que eu vejo em muito tempo em filmes do gênero. Filmes pós-apocalípticos costumam ter um tom mais escuro, quase sem vida (como os bons A Estrada e O Livro de Eli), mas as cores aqui são vibrantes, cheia de vida. O contraste que eles obtêm entre laranja e azul na cena do atoleiro é simplesmente linda.
Ok, agora vamos a parte que eu achei que seria complicada. A escalação do elenco é boa? É ótima. Mas dava um aperto no peito saber que o Mel Gibson não seria mais o protagonista de Mad Max. Não tô fazendo papel de viúva do cara, e sim, sei que ele tá com o filme queimado em Hollywood. Mas pra mim, Gibson tá pra Max Rockatansky assim como Harrison Ford está para Indiana Jones (e Han Solo), Stallone pro Rambo, Schwarzenegger pro Exterminador, Bruce Willis pro John McClane… E por aí vai. Deu pra entender o que estou tentando dizer, né? Max é um personagem simplesmente icônico demais. Sua imagem ainda estava muito associada ao Mel Gibson na minha cabeça. Pra mim era estranho ver esse papel sendo feito por outro ator. Dito isso, confesso que não poderia ter havido troca melhor. Tom Hardy é um substituto a altura. Monossilábico, e com mais cara e jeito de louco do que o próprio Gibson, Hardy mostra sua habitual competência, e prova que tem talento de sobra pra continuar o legado da franquia.
Na verdade, o próprio Miller não saber definir ao certo onde esse filme se encaixa na cronologia da franquia é uma saída interessante pra continuidade da saga nos cinemas. Explico: Max é praticamente uma lenda dentro da própria série. Sua história geralmente é contada a partir do ponto de vista dos outros sobreviventes com quem ele cruza ao longo do caminho. Em A Caçada Continua é o garoto selvagem que narra sua aventura. Já em Além da Cúpula de Trovão é a tribo de crianças perdidas que se encarregam de contar os feitos do Road Warrior para as novas gerações. Então, pressupondo que Max seja um mito, e que as histórias que vemos do herói nos filmes são apenas os relatos dos que tiveram contato com ele, fica mais fácil ainda aceitar a mudança de protagonista. Não se trata mais de uma história que segue uma linha cronológica especifica, mas sim visões distintas de um mesmo personagem. Uns podem dizer que ele tinha um defeito na perna. Outros que ele tinha mechas brancas no cabelo. Que era mais velho, ou mais novo. Tudo vai depender de quem estiver contando a lenda do guerreiro da estrada. Isso até explica o porquê do mundo de Estrada da Fúria estar mais apocalíptico e caótico do que nos outros.
Ainda sobre a nova roupagem desse universo, gosto do fato desse mundo ser mais Mad em alguns momentos do que todos os antecessores. Dos garotos de guerra que veneram o “V8”, às deformidades físicas causadas pela (provável?) guerra termonuclear, aos neologismos como aqua-cola, ou kamicrazy, tudo parece muito mais despirocado. E o melhor de tudo, nada é explicadinho nos mínimos detalhes. E isso não faz a mínima diferença. Você vai juntando as coisas a mediada que a história avança. E ela avança com vontade, quase como se enfiasse o pé com vontade no acelerador.
Aliás, um dos maiores equívocos que eu percebo das pessoas em relação a esse filme (apesar da ótima recepção que ele obteve, diga-se de passagem), é julgar a história vazia e simplista, como se tudo o que esse filme tivesse fosse um visual insano e ação vertiginosa. Não se enganem. Apesar de Miller privilegiar a estética e o entretenimento, tem sim muito conteúdo pra ser dissecado na história. A lavagem cerebral que os mais novos são submetidos é uma delas. Ou vai dizer que não dá pra traçar um paralelo entre os War boys e a sua crença em Valhalla, com os milhares de jovens convertidos pelo Estado Islâmico? Fora o (óbvio) viés socialista, com a noção de partilha de recursos entre todos os membros da sociedade.
A representação que o cineasta faz do vilão Immortan Joe (Hugh Keays-Byrne), uma espécie de Darth Vader steampunk, também é digna de aplauso. Um velho debilitado que governa com base no medo e coerção do alto de uma cidadela (ou seria do alto da pirâmide social?), e que literalmente trata os indivíduos como sendo sua propriedade (Ele chega a marcá-los como gado). Qualquer semelhança com o sistema capitalista não é mera coincidência.
Mas a minha crítica social favorita feita pelo filme, e talvez a mais clara, é sobre o papel das mulheres na sociedade. Immortan Joe se refere as suas noivas a todo tempo como sua propriedade, e é explicito como elas são usadas com meros fins reprodutivos. É interessante notar como teve uma galera que se revoltou com a suposta propaganda feminista no longa, por conta do destaque dado a Furiosa (Charlize Theron, incrível), e as mulheres do Vale Verde nas cenas de ação, mas não deu a mínima pro fato do cara usar mulheres como escravas sexuais. Troféu joinha pra esses camaradas.
Talvez essa galera preferisse que tivessem se aproveitado da premissa, e sexualizado a imagem das jovens noivas (afinal, são todas praticamente supermodelos), ou que elas bancassem as donzelas indefesas dependentes do mocinho, ao invés das heroínas badass que o filme apresenta. Estamos em 2015, né galera. Novos tempos. Vamos rever esses conceitos aí que ainda dá tempo. Miller tinha era que ser louvado pelo uso que faz das personagens femininas. Não é qualquer um que coloca senhorinhas de cabelos brancos no centro da ação, e as fazem chutar bundas melhor que muito herói de ação por aí.
Palmas também para Charlize Theron. Sua Imperatriz Furiosa, se junta a Princesa Leia de Star Wars, a Tenente Ellen Ripley de Alien e a Sarah Connor de Exterminador do Futuro (a original, interpretada pela Linda Hamilton, não a Khaleesi) como uma das melhores e mais icônicas personagens femininas em um filme do gênero. Charlize (linda, mesmo careca e com um braço mecânico) cria uma personagem tão interessante quanto o próprio Max em si. Forte e decidida, Furiosa é uma líder nata, e exemplo do que uma boa coadjuvante deveria ser numa história. Ela rouba a cena em diversos momentos? Sim. E merecidamente. Mas não, ela não é a verdadeira protagonista do filme. Max ainda é o herói principal (embora isso não importe tanto no fim das contas). “Mas o Max quase não fala!” Bom, recomendo assistirem novamente a trilogia antiga. Em A Caçada Continua, o cara também mal abre a boca. Max não é um herói nos moldes tradicionais, ele tá mais para um sobrevivente. Ele é na verdade a razão pela qual acompanhamos essa história (Percebeu como funciona o lance da lenda, agora?).
Pessoalmente, acho que os fãs da franquia não tem do que reclamar. Além da ação sensacional, esse filme presta diversas homenagens ao original. A mais singela talvez seja a volta do ator Hugh Keays-Byrne, que viveu o vilão Toecutter no primeiro filme da série, como Immortan Joe. Mas é tanta referência, que nem o Capitão América não daria conta. Tem desde o cofre/prisão que lembra o domo/arena de Além da Cúpula do Trovão, à espingarda que falha na hora de disparar. Tem também os guardas da cidadela com a icônica máscara do Lorde Humongous. E na melhor tradição de nomes rimados temos os filhos de Immortan, Rictus Erectus (Nathan Jones) e Corpus Colussus (Quentin Kenihan) que meio que lembram o Master Blaster com esse lance de um ser o cérebro e o outro os músculos, né? Isso sem mencionar a maquiagem dos War boys, com os olhos pintados de preto, e corpo e rosto de branco, que remetem ao moleque de moicano da tribo de crianças perdidas do terceiro filme.
E falando no exército de lunáticos do Immortan, outro que merece destaque é Nux, o Kamicrazy vivido por Nicholas Hoult. O personagem é carismático, e consegue cativar apesar da história meio óbvia. Você quase torce pra ele que conclua sua missão de sabotar Furiosa, e chegue brilhante e cromado nos portões do Valhalla. Igualmente bacana é a atuação das noivas vividas por Zoë Kravitz, Rosie Huntington-Whiteley, Riley Keough, Abbey Lee Kershaw e Courtney Eaton.
Enfim, passado o hype, eu posso afirmar com clareza que esse filme vai ficar marcado na história do cinema, assim com seus antecessores. Pop, brutal e surtado, Estrada da Fúria é um clássico instantâneo, cheio de momentos épicos e frases de efeitos. “Eu vivo, eu morro, eu vivo de novo!”, “Testemunhem!” e “Medíocre!”, com certeza serão tão icônicas pra próximas gerações quanto “Dois homens entram, um homem sai!” foi pra minha.
Tendo arrecado US$ 373,385 milhões ao redor do mundo (um bom lucro, mas ainda modesto se pensarmos que o filme custou US$150 milhões), fica aqui a minha torcida para que a Warner Bros dê logo sinal verde para que Miller dirija a próxima aventura do Road Warrior. O cara já tem até o título: Mad Max – The Wasteland. Se possível, que chamem o Mel Gibson, nem que seja para participaçãozinha especial. O cinema só tem a ganhar.