E enfim chegamos a última postagem do ano. Eu tinha estabelecido pra mim no início do ano a meta de ler no mínimo 50 livros em 2015. Falhei miseravelmente. Li apenas 10. E todos praticamente no período de fevereiro e março. Daí pra frente só textos acadêmicos, e no resto do meu tempo livre atualizava as séries e filmes que ainda não tinha assistido. Enfim, queria terminar um ano com uma lista, e mesmo sendo poucos, me pareceu legal falar das minhas leituras esse ano. Então, simbora lá:
1. Clube da Luta, de Chuck Palahniuk
O primeiro livro que li esse ano foi uma indicação do meu bom amigo, Luiz, um enorme fã do Chuck Palahniuk. Clube da Luta já tava na minha lista faz um tempinho. O filme é um dos meus favoritos do Fincher. Então é realmente um pouco estranho que agora eu não consiga me decidir qual é o melhor: livro ou filme. Por exemplo, a cena final do longa, embalada por Wheres My Mind do Pixies é demais, mas o final ambíguo do livro é tão legal, que simplesmente não consigo decidir entre um e outro. A adaptação, no geral, é bem fiel, poucos trechos foram mudados. A ironia, a anarquia, a crítica contra o consumismo texto do Palahniuk tá toda lá. Ainda pretendo fazer um texto destrinchando as diferenças entre os dois, mas é possível dizer de cara que ambos não são uma obra para qualquer um.
O livro é explosivo, violento, subversivo e te faz questionar o tempo todo o status quo da nossa sociedade conformista. Palahniuk tem um tom ácido, mas cativante, que te deixa curioso, sedento por mais. A narrativa não linear pode confundir às vezes, mas acrescenta e muito a loucura da história. Tyler Durden é possivelmente um dos melhores personagens dos últimos anos. Tenha você já visto o filme ou não, é uma leitura que com certeza vale a pena.
2. Feliz Ano Novo, de Rubem Fonseca
Eu estou num estranho caso de amor com a obra de Rubem Fonseca. Havia lido alguns de seus contos um tempo atrás, mas ao ler Feliz Ano Novo lá no início desse ano, fiquei completamente enfeitiçado pela escrita do romancista. O livro é na verdade uma coletânea de contos que abordam em sua grande maioria a violência dos grandes centros urbanos. Algumas são extremamente gráficas e chocantes, como o conto que abre e dá nome ao livro. É uma porrada no estomago. As histórias têm uma pegada meio policial, e mesmo alguns personagens sendo um pouco caricatos, a crítica que Fonseca faz aos contrastes, o cinismo e a hipocrisia da nossa sociedade é pungente. E a escrita dele é uma das mais enxutas que eu já vi. É visceral, direta, sabe ser irônica e cruel nas horas certas. Eu fiquei tão apaixonado que li o livro em um dia, e corri para a Saraiva comprar mais obras do autor. Sério.
É difícil eleger um conto favorito, mas “Dia dos Namorados”, protagonizado pelo advogado criminalista Mandrake (mais alguém se lembra da fantástica série da HBO, estrelado pelo Marcos Palmeiras?), Corações Solitários e Passeio Noturno I e II com certeza merecem destaque.
Eu poderia fazer um post inteiro enaltecendo o Fonseca, mas prefiro encerrar com isso: devido as duras críticas sociais, as palavras de baixo calão e a violência presente em todas as histórias, o livro que foi publicado originalmente em 1975 foi censurado e recolhido pela ditadura militar. Quer incentivo maior que esse para ler o cara?
3. Mãos de Cavalo, de Daniel Galera
Outra boa indicação. Há muito tempo um livro não mexia tanto comigo quanto Mãos de Cavalo do Daniel Galera. Eu me identifiquei de cara com seu protagonista. Me senti transportado de volta para a minha infância. O autor conta a história de Hermano, intercalando três momentos de sua vida. Ora é o cirurgião plástico a caminho de sua escalada na Cordilheira dos Ande. Ora é o adolescente apelidado de Mãos de Cavalo. Ora é o Ciclista Urbano, um garoto de 10 anos correndo pelas ladeiras de Porto Alegre em cima de sua bicicleta. O texto do Galera é leve, sincero, livre de clichês. É um olhar descompromissado sobre a juventude dos anos 90, cheio de referencia à cultura pop da época, que dialoga muito com o leitor.
O final em si, tinha sido uma das poucas coisas que havia me desagradado no livro, mas um amigo me ajudou a aprecia-lo melhor. Hermano tem lá seu momento de redenção, mas logo em seguida ele parece não se reconciliar totalmente com seu passado. É perceptível como ele ainda sente culpa pelo que ocorreu anos atrás, pelo que poderia ter feito, mas não é apresentada uma conclusão pra isso. Ele nunca chega a contar a verdade à ninguém. O que eu custei a perceber é que esse fim é muito mais condizente com a vida no geral, onde nem tudo apresenta uma resolução, e algumas coisas apenas carregamos conosco sem nunca compartilhar. Pra um livro que lida justamente com a formação, e as transformações de um homem no decorrer de sua vida é mais do que coerente. Enfim, é uma excelente leitura, e Daniel Galera é com certeza um autor contemporâneo que vale muito a pena conferir. Vamos ver se ano que vem eu consigo finalmente ler Barba Ensopada de Sangue.
4. Fugalaça, de Mayra Dias Gomes
Eu tenho esse livro há um bom tempo já, mas nunca tinha parado para ler. Tava lá pegando poeira na prateleira. Lembro que o que me interessou, foi que a escritora, filha do Dias Gomes, escreveu o livro quando tinhas apenas 17 anos. E no final das contas é isso que ele é. Um livro escrito por uma garota de 17 anos. Em muitos momentos a sensação que eu tinha era de que estava lendo um diário de uma adolescente. Não sei, talvez por ter visto histórias parecidas demais com essa, Fugalaça não me disse muita coisa. Satine, uma espécie de alter ego de Mayra, acaba sendo uma personagem bem clichê. É aquela velha história da adolescente que tenta preencher o vazio com sexo, drogas e rock n’ roll. Olhando a sinopse até parece interessante (apesar de batida), mas a narrativa não ajuda em nada. Por que mais eu aprecie a honestidade com que a escritora se expõe, a escrita é repetitiva e maçante em vários momentos. Eu ainda pretendo ler outros livros da Mayra, afinal ainda acho um feito escrever e publicar um livro tão jovem, mas Fugalaça foi sem dúvida uma das minhas leituras mais fracas desse ano.
5. Diário de um Killer Sentimental, de Luiz Sepúlveda
Esse ano eu li um bocado de histórias sobre mafiosos e assassinos. Não foi algo exatamente intencional. Uma das mais inusitadas é a de Diário de um Killer Sentimental. Ele é quase uma sátira à esse universo de gângsteres, brincando bastante com os clichês do gênero, mas também não economiza na violência. O livro é bem curtinho e trás duas histórias distintas. O primeiro conto, que dá nome ao livro, gira em torno de um matador profissional, frio, calculista que um dia passa a se questionar, e a compadecer de suas vítimas após se apaixonar por uma jovem francesa. O segundo conto intitulado Jacaré, trata de um investigador de uma companhia de seguros que acaba se envolvendo numa trama que envolve assassinatos, tráfico de matérias-primas e habitantes de uma tribo da selva do Pantanal.
O texto do Sepúlveda é ágil, agradável, e bem gostoso de ler. Eu consigo totalmente imaginar essas histórias sendo adaptado pelos irmãos Coen. O humor negro do Sepúlveda, os embates violentos, e as situações surreais do livro é cara deles.
6. O Seminarista, de Rubem Fonseca
Mais uma história sobre assassinos. Outra obra inspirada do Fonseca. A trama conta a história do ex-seminarista José, também conhecido como O Especialista, que cansado da vida de assassino de aluguel decide que é hora de se aposentar. Ele acaba conhecendo uma jovem alemã chamada Kirsten, que vive de fazer traduções da literatura brasileira para o alemão, por quem se apaixona. Zé vai vivendo tranquilamente sua vida de homem comum, até fantasmas do seu passado retornarem, o jogando de volta no submundo do qual ele queria tanto se livrar. Entregar mais detalhes estragaria as surpresas da história, cheia de reviravoltas, como os bons suspenses policiais, mas vale dizer que é uma leitura eletrizante.
Zé é um anti-herói dos mais carismáticos. Curte ouvir rock no seu aparelho de mp3, é apaixonado por literatura, vive recitando frases em latim, e é assíduo frequentador de botecos pés-sujos. A narração em primeira pessoa só ajuda a aproximar o leitor do personagem. Apesar da visível rabugice e vida torta do protagonista, o texto torna fácil simpatizar com seu humor negro e frases de efeito. “De inimico non Ioquaris sed cogites – para o seu inimigo não deseje o mal, planeje-o”.
A escrita de Fonseca é algo muito característico. O estilo narrativo dele é muito peculiar, e se mostra imbatível. A trama lembra um pouco a temática do conto do Sepúlveda que li umas semanas antes, mas enquanto o escritor chileno parece brincar com o universo dos assassinos, Fonseca abraça os clichês do gênero com propriedade assustadora. Ele emprega a violência numa linguagem quase cinematográfica. Na verdade, O Seminarista, com seu ar Tarantinesco, parece pedir para ser adaptado para os cinemas. Para os aficionados, assim como eu, por tramas policiais é uma ótima pedida, e uma deliciosa leitura.
7. O Apanhador no Campo de Centeio, de J.D. Salinger
Eu só consigo imaginar o que teria sido ler este livro quando eu tinha meus 16/17 anos. Holden Caulfield é um dos melhores personagens adolescentes já escrito. A obra num todo pode não ter aquela catarse que muitos esperam, com uma mensagem edificante, ou uma grande surpresa, mas é tão bem escrita e fácil de se relacionar, que é compreensível o por que de ser referencia para um monte de gente.
Holden é um garoto hiperativo, que acaba de ser expulso da escola às vésperas do Natal. Ele tem visíveis oscilações de humor. Ora parece estar deprimido, ora reage com extrema animação. Tem uma visão pessimista e desesperançosa da vida, o que o faz tratar tudo com certa ironia. Ninguém era bom o suficiente para ele, com exceção do irmão falecido, e a irmã caçula, que justamente por ser criança conserva traços de pureza que ele queria preservar. Holden também vê quase todos os adultos como cínicos e chatos. Toda a história se passa praticamente no desenrolar de um fim de semana. Em seu caminho de volta para casa, ele decide fugir e saí perambulando pelas ruas de Nova York.
É fácil ser caricato ao retratar o universo dos jovens, mas O Apanhador no Campo de Centeio conseguiu captar a essência dessa época da vida perfeitamente. O texto de Salinger é perfeito por conseguir passar toda a angustia, confusão e questionamentos da idade de forma sincera. Assim como Holden, todos já tivemos dúvidas a cerca do futuro, sem saber ao certo o que fazer, que caminho tomar e o que esperar. E talvez seja isso, mais o sentimento de inadequação que torne a obra tão forte. Há quem ache que é uma obra supervalorizada, que os monólogos de Holden sejam bipolares, e o personagem em si seja só um moleque mimado e chato. Discordo completamente, acho as tiradas de Caulfield engraçadas e especialmente familiares para quem já ousou questionar o mundo ao seu redor. Adoro o modo despojado como ele fala algo que reflete diversos pensamentos que eu tive enquanto crescia. Uma das frases que achei bem marcante, e me fez pensa nisso, foi essa: “Em primeiro lugar, sou meio ateu. Gosto de Jesus e tudo, mas não dou muita bola para a maioria das outras coisas da Bíblia. Os Apóstolos, por exemplo. Para falar a verdade, os apóstolos são uns chatos”. Eu te entendo, Holden. Eu te entendo.
Enfim, é um livro tranquilo, gostoso de ler. Eu realmente só me arrependo de não tê-lo lido antes.
8. O Médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson
Um clássico que eu já deveria ter lido há muito mais tempo, O Médico e o Monstro é um daqueles casos em que a história já está tão disseminada na cultura mundial que a vida já se encarregou em te dar spoiler dela. Acho que o primeiro que tomei foi em Pagemaster, àquela animação com Macaulay Culkin onde ele entra no mundo dos livros, lembram?
Eu já tinha visto três das várias adaptações da obra para o cinema, mas nunca lido a obra original. É um livro curto, mas divertido, com uma história bem construída. Claro que saber o grande mistério da trama tira um pouco da graça. Todo o suspense acaba sendo perdido, mas ainda assim é uma leitura bem envolvente. A escrita de Stevenson é bem mais acessível e fácil do que eu imaginava. Pela época em que foi publicado esperava algo mais rebuscado, mas é um texto simples, agradável. O tom me lembrou um pouco dos contos do Edgar Allan Poe, e o mistério remete diretamente as aventuras de Sherlock Holmes do Arthur Conan Doyle. A trama é sobretudo uma ótima analise sobre a condição humana, e o eterno conflito interno que todos nós vivemos. Mr. Hyde (o monstro) é uma criatura totalmente hedonista. É a manifestação viva do ID de Freud. Na verdade, todas essas questões sobre dualidade que o livro trás, especialmente no final, sobre o que faríamos, ou seriamos capazes destituídos do nosso senso de moralidade é bem interessante. Não é a toa que se tornou o clássico que é.
9. Bandoleiros, de João Gilberto Noll
Bandoleiros, do escritor gaúcho João Gilberto Noll é estranhamente um dos romances mais confusos, mas ao mesmo tempo instigante, que eu me lembro de já ter lido. A história, narrada por um protagonista que nunca revela seu nome, se passa em Porto Alegre, mas vai e volta no tempo, alternando o tempo em que ele morou em Nova York, com a volta ao Brasil, quando vem visitar um amigo doente. Essa estrutura narrativa não linear dá ainda mais cara de filme a história. Sabe aqueles filmes bem intrincados, que você precisa ver mais de uma vez para entender melhor uma coisa ou outra? É bem por aí.
O narrador, que fora abandonado pela esposa, é um escritor que vive de traduções, depois de ver sua ver carreira cair no ostracismo. Ele é amargo, tem seus problemas coma bebida, mas faz aquele tipo irônico. O texto de Noll te seduz. A narrativa poder ser meio confusa, mesclando os delírios alcoólicos do protagonista, com flashbacks, mas os personagens são interessantes, e bem desenvolvidos. Tem o Steve, o cowboy decadente, alcoólatra e desmemoriado, e sua dedicada esposa Jill. Tem o também escritor João, o amigo o qual o narrador vem visitar no Brasil. Ele está muito debilitado por uma doença muito similar a AIDS, mas que não chega a ser explicitado no livro. E tem as mulheres, que rendem algumas das passagens mais engraçadas do livro, Ada, a mulher do protagonista, e suas duas amigas, Mary e Alicia. A teoria de Mary sobre o ódio que o ser humano tem pelo outro ao vê-lo dormindo é assustadora e hilária ao mesmo tempo. Tem todo um trecho onde elas se encantam por um livro que falava de uma Sociedade Minimal, que seria uma comunidade capaz de produzir sua própria fonte de consumo, sem nenhuma interferência externa, e daí para frente elas só sabem pensar e falar nisso. Essa acaba sendo inclusive uma das razões da separação do casal. Eu interpretei isso como uma crítica satírica as pessoas que seguem ideologias com aquela fé e devoção cega, sem tolerar qualquer tipo de comentário ou crítica sobre sua ideias (bem atual, não?).
É um livro bem interessante. Tem todo um clima de solidão e desolamento por toda a história, e uma certa dose de loucura. Talvez o Bandoleiros do título faça mais sentido se pensarmos nos personagens como aquelas figuras errantes e solitárias, ao invés de bandidos ou trapaceiros.
10. O Invasor, de Marçal Aquino
Eu não disse que esse ano eu só li basicamente histórias policiais? Pois é. E o Invasor é talvez uma das mais representativas delas. É um ótimo suspense. Ele te deixa tenso, apreensivo, querendo devora-lo num fôlego só. Eu já conhecia a história, devido ao ótimo filme estrelado por Alexandre Borges, Marco Ricca e o roqueiro Paulo Miklos (excelente no papel de Anísio), e roteirizado pelo próprio autor, então foi mais por curiosidade que decidi ler o livro. E não me desapontei. O texto de Aquino é fluido, conciso, intenso na medida e cheio daquela atmosfera urbana e marginal angustiante presente também na obra do próprio Fonseca, repleto de personagens sórdidos e moralmente ambíguos. A trama gira em torno de dois sócios de uma construtora que decidem contratar um assassino de aluguel pra eliminar um terceiro parceiro, mas envolve ainda policiais corruptos, traição e prostituição. A narração em primeira pessoa ajuda a aumentar a tensão, e cria um clima noir, que só é reforçado pelo clímax super desesperançoso. É uma leitura simples, dessas que se faz num fim de semana, mas altamente recomendável, principalmente aos amantes do gênero policial.
É isso, galera. Esse foi meu último post de 2015, mas ano que vem tem mais. E vocês, o que andaram lendo esse ano?
Boas festas e Feliz Réveillon a todos.
Inté!
Fala Thiago, muito bom esse blog de vocês.
Essa postagem aqui contém dois livros que já comentei, um deles (O apanhador…) é meu livro preferido, inclusive.
Muito interessante comparar opiniões e impressões.
Qualquer coisa dê uma olhada lá.
https://livroseloucos.wordpress.com/2015/06/30/clube-da-luta-chuck-palahniuk/
https://livroseloucos.wordpress.com/2013/11/06/o-apanhador-no-campo-de-centeio-j-d-salinger/
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Opa… Obrigado. É sempre bom comparar opiniões, sim. Pode deixar que vou dar uma conferida. Forte abraço!
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