Crítica | Demolidor – 2ª Temporada

Obrigado, Netflix!

Daredevil_Punisher_Elektra_01Aviso: O texto abaixo contém spoilers, leia por sua conta em risco.

Se é que havia alguma dúvida de que o Demolidor da Netflix é a melhor série de super-herói já feita, essa segunda temporada veio para encerrar essa questão de uma vez por todas. O segundo ano da série é melhor do que o primeiro em todos em sentidos. A narrativa flui melhor, a ação aumenta de escala e brutalidade sem soar gratuita ou desmedida, o desenvolvimento dos personagens é mais rico, e o que é melhor: A série está deliciosamente quadrinhesca. Ainda que traga uma pegada bem mais realista, Demolidor não faz a menor cerimônia em se assumir como uma obra baseada em quadrinhos, com ninjas saltando telhados e escalando prédios por toda Nova York, vilões ressuscitando dos mortos e inserindo vários outros elementos sobrenaturais na trama. É puro gibi que ganha forma nas telas.

Eu já tinha amado o que eles fizeram com a primeira temporada, e me daria por satisfeito se simplesmente mantivessem o padrão. Mas a Netflix não cansa de surpreender e se superar a cada nova empreitada. Nem a mudança de showrunners (Doug Petrie e Marco Ramirez assumiram no lugar de Steven S. Deknight) parece ter sido um problema como geralmente ocorre em tantas outras produções. A qualidade da série só subiu.

Demolidor_Ep3O segundo ano já abre uma boa vantagem por conseguir introduzir com extrema fidelidade outros dois grandes personagens dos quadrinhos da Marvel na jogada. Justiceiro e Elektra chegam à Cozinha do Inferno para sacudir ainda mais a complicada vida do Demolidor. Eles não são exatamente os antagonistas da vez – aliás, foi um grande acerto dessa temporada não ter um vilão especifico, mas sim arcos de histórias que avançam com os episódios, como nos quadrinhos regulares –, mas funcionam como um ótimo contraponto a visão de mundo do Matt Murdock. Ambos auxiliam indiretamente no seu desenvolvimento e crescimento como herói, o fazendo questionar suas ações e métodos, e encarar seu lado sombrio. Os embates ideológicos que surgem das diferenças de filosofias entre eles são tão bons quanto as cenas de pancadaria. Sério, o dialogo entre Castle e o Demolidor no telhado é memorável. E simplesmente idêntico ao dos quadrinhos. Quando uma cena de discussão consegue ser tão intensa e interessante quanto ver um cara sozinho derrubar uma gangue inteira, você sabe que está assistindo um show acima da média.

E isso é uma das coisas que mais me agradou nessa temporada. A ação é boa? É ótima. O Justiceiro, por exemplo, tem uma cena que é provavelmente a coisa mais brutal que uma obra baseada em quadrinhos já produziu. As lutas contra os ninjas do Tentáculo – que se sabe lá Deus por que a Netflix encasquetou de traduzir de forma literal como a Mão – são tudo aquilo que o garoto que lia, lá na década de noventa, as revistinhas do demônio destemido gostaria de ver. Mas o legal mesmo é que a série não se resume a apenas isso. Ela tem estofo. Os momentos de drama tem peso de verdade. Ela sabe como abordar os dilemas morais do herói de forma adulta, e equilibra bem os momentos de reflexão com as cenas de luta.

grotto-funeralCharlie Cox continua excelente no papel principal. O cara dá show tanto na pele do advogado cego, quanto na do vigilante de Hell’s Kitchen. Matt Murdock continua carregando o peso do mundo sobre os ombros. Bate. Apanha (e como apanha). Se quebra todo. Ele trilha nessa temporada o caminho conhecido do herói altruísta, disposto a sacrificar sua vida pelo próximo. Chega a ser até deprimente o modo como tudo o que ele lutou para proteger desmorona nessa temporada. A parceria com Foggy, o romance com Karen Page (que estava finalmente começando a engatar) vai tudo pelo ralo como consequência de sua vida dupla. Esses altos e baixos na vida pessoal do personagem é algo recorrente nas HQs – a Nelson & Murdock já faliu uma porrada de vezes – e replicado com sucesso aqui.

E falando neles, para ser honesto, Foggy Nelson e Karen Page estão até melhores que suas versões na nona arte. Elden Henson continua esbanjando carisma e presença na pele do Foggy. Suas cenas no tribunal, em especial o embate que ele tem com Matt no banheiro, são excelentes. O personagem evoluiu e muito de uma temporada para outra, e Henson adiciona brilho próprio ao papel. O mesmo ocorre com a Karen Page de Deborah Ann Woll. Fugindo dos estereótipos de mocinha em perigo, Karen é muito mais do que um simples interesse romântico. O lance do casal funciona? Sim, e sem forçação de barra. Mas o legal mesmo é vê-la ganhar papel de destaque na resolução dos casos, se envolvendo em boa parte da ação. A mulher é um verdadeiro imã para problemas. Eu curti muito a ideia de fazê-la seguir os passos do Ben Urich. Os dois só não são os grandes coadjuvantes dessa temporada, porque Elektra Natchios e Frank Castle roubam a cena.

Daredevil_Castle_01Jon Bernthal é o Justiceiro. Sem a menor sombra de dúvida, o Shane de The Walking Dead era a escolha mais perfeita que poderia haver para o papel. Seu Frank Castle é a versão definitiva do icônico anti-herói da Marvel. O que não era algo lá muito difícil se pensarmos que nenhuma das versões anteriores realmente conseguiu fazer jus ao personagem. A naturalidade com que Bernthal encarna esse tipo sisudo, meio perturbado ajuda, mas o grande mérito de seu Justiceiro não é só ser implacável e bom de briga, e sim ter camadas mais profundas. Castle é um sujeito mentalmente instável. Atormentado pelas suas perdas, ele usa a violência como forma de lidar com a sua dor e fazer justiça. Ele ainda não é o Justiceiro dos quadrinhos. Sua cruzada é pessoal. Ele não está caçando criminosos comuns, está em busca dos responsáveis pela sua tragédia pessoal. Seu código moral já está lá, mas sua transição vai se dando aos poucos no decorrer da série. Bernthal consegue muito bem transmitir o sentimento de dor, raiva e insanidade do personagem, humanizando-o de uma forma incrível. A cena dele se abrindo para o Demolidor no cemitério é uma das melhores para mim. Emociona de verdade.

E eu adorei como eles fizeram o lance da caveira. Temos um vislumbre aqui e ali, mas assim como o uniforme vermelho na temporada passada, o icônico símbolo só aparece mesmo no final, coroando a transformação de Frank em Justiceiro. A resolução de seu arco fica meio mal resolvida, com algumas pontas soltas, mas pode funcionar como ponto de partida para uma terceira temporada ou possível série solo. Marvel, por favor, faça essa série do Justiceiro acontecer!

demolidor_elektraIgualmente bem representada é a Elektra de Elodie Young. Calando a boca de muito dos haters que criticaram sua escolha, ela dá conta do recado e mandou muito bem no papel. É uma versão diferente daquela que conhecemos das HQs, mas com atualizações muito bem-vindas. A Elektra de Elodie é sedutora, letal, com a língua afiada e totalmente imprevisível. Se num primeiro instante ela pouco lembra a assassina fria e de poucas palavras dos quadrinhos, assim como o Justiceiro, à medida que a temporada avança vemos emergir um outro lado seu, que na boa, assusta para cacete. O instinto assassino natural da personagem já está lá, e faz até mais sentido aqui. Fazer dela o tal do “Céu Negro”, a arma definitiva do Tentáculo, funciona muito bem. Sua morte acaba sendo bem mais coerente dentro desse contexto do que foi nos quadrinhos, além de dar uma sensação de redenção a personagem em seus instantes finais. Fica implícito que os ninjas da organização vão arranjar um jeito de trazer ela de volta a vida num futuro próximo, e as possibilidades que isso abre empolgam.

A dinâmica da relação dela com o Demolidor ficou muito boa também, com ela provocando, trazendo à tona o lado mais violento e sombrio do “Matthew”, e ele tentando salva-la das trevas, com a virtuosidade quase de um santo. Mais HQ que isso impossível. Os dois são o contraste perfeito entre luz e trevas. E Young e Cox tem uma química explosiva juntos.

demolidor_dest-1250x530Eu gosto de como a narrativa passa de um arco para o outro, sem quebrar o ritmo ou energia da história. Não ter um vilão principal nessa temporada, faz com que eles alternem o foco entre Elektra e Justiceiro de uma forma muito bem feita. Num momento Frank Castle é a ameaça que precisa ser detida, no outro é o retorno de Elektra que joga toda a vida do Matt de pernas para o ar. E assim as duas histórias vão se intercalando, sem nunca cruzarem de fato, com o Demolidor surrando ninjas com a Elektra durante a noite, e lidando com o julgamento do Justiceiro durante o dia, sem que um dos dois personagens pareça mais interessante ou melhor trabalhado do que o outro. É tudo muito bem equilibrado.

Daredevil_Fisk_01E claro, não posso deixar de comentar a participação de Wilson Fisk. Vincent D’Onofrio lacrou de novo. Eu sabia que se o vilão desse as caras nessa temporada ia ser numa breve aparição, só para mostrar que ainda não estava vencido. Mas D’Onofrio rouba qualquer cena em que ele surge. Cada vez mais parecido com o Rei do Crime dos quadrinhos, surge aqui manipulador ao extremo e rende ótimas cenas, que nos fazem lembrar por que ele está ao lado do Killgrave do Tennant o melhor vilão do MCU. O diálogo com o Matt Murdock é foda. Preparem-se, porque cada vez mais tenho certeza que “A Queda de Murdock” está a caminho. Wilson Fisk virá com sangue nos olhos na próxima temporada, escrevam o que estou dizendo.

As referências ao universo cinematográfico da Marvel também estão presentes, mas bem menores dessa vez. A série estabelece ligações com as outras produções da Netflix, como Jessica Jones e Luke Cage, com a presença da enfermeira vivida por Rosario Dawson, além de plantar o terreno para a chegada do Punho de Ferro – nada me tira da cabeça que aquele buraco que o Tentáculo estava cavando tenha alguma coisa a ver com a série do Danny Rand, ou quem sabe é a ameaça que irá levar a formação dos Defensores –, mas não há uma necessidade de conectar tudo burocraticamente como em outras obras da Marvel. Este segundo ano do Demolidor investe muito mais em criar uma mitologia própria, seguindo seu próprio caminho a parte do resto.

Demolidor_TentáculoEu poderia ficar falando dessa temporada o dia inteiro, mas o que importa é isso: Demolidor é foda! É a melhor série de quadrinhos já feita. Ponto Final! Ela é uma dessas séries que te pega de jeito, te faz assistir aos treze episódios numa tacada só, e te deixa ali querendo mais. O segundo ano simplesmente supera todas as expectativas, e te deixa eufórico pelo que está por vir. Não vejo a hora de o Mercenário ser incluído nesse universo, e vermos histórias como “Demônio da Guarda”, “A Queda de Murdock” e “Elektra Vive” ganharem forma na telinha.

A Marvel não poderia ter encontrado uma parceira melhor para produzir suas séries. De coração, obrigado, Netflix!

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