Se você pudesse voltar no tempo, o que você faria? Voltaria naquele exato tempo passado em que seus momentos de euforia e alegria eram duradouros e inesquecíveis? Tentaria repetir variadas vezes os bons momentos vividos? Ou talvez buscasse consertar os erros dos quais se arrepende? Evitaria magoar as pessoas de que gosta e tentaria fazer tudo certo com uma segunda chance? Indo mais além, se o seu passado fosse marcado por alguns assassinatos que acabariam por repercutir na pessoa que você se tornou no presente, e que apenas uma simples omissão ou atitude em relação a esse passado acabaria por causar uma série de injustiças a pessoas próximas de você?
A nova série animada que já está no seu penúltimo episódio – Boku dake ga Inai Machi ou Erased – trata não somente da relação afetiva entre as pessoas e de como as nossas ações deixam rastros significantes através do tempo, como também da busca de um significado existencial dentro de um contexto permeado de crimes cometidos por um serial killer. Boku dake ga Inai Machi começou a ser escrito em 2012, e seu mangá foi publicado pela Young Ace, da conhecida editora japonesa Kadokawa, responsável pela publicação de títulos conhecidos como Slayers, Tenchi Muyo!, Neon Genesis Evangelion, Cowboy Bebop e The Vision of Escaflowne. A série foi lançada no início deste ano, e parece que nesta semana completa seu último episódio.
A história conta a corriqueira vida do desenhista mangaká Satoru Fujinuma, que precisa alternar as suas produções com o trabalho de entregador de pizzas. A primeira impressão que nos vem é que Satoru tem dificuldades em levar adiante suas ideias do mangá, e que lhe falta inspiração para alcançar o que chama de “preencher o seu coração vazio”. Satoru parece ser daquelas pessoas indiferentes, reflexivas e monótonas. Sua relação com a mãe, Sachiko Fujinuma, é um pouco fria, embora Sachiko pareça ser bem mais aberta e compreensiva do que o filho, além de muito inteligente. Porém, é numa de suas viagens para fazer entregas que Satoru se dá conta de que possui um estranho poder de voltar no tempo para impedir que mortes ocorram. Através desse poder sobrenatural ele consegue impedir um acidente de trânsito, e acaba acidentado.
Satoru é um protagonista com um senso de justiça muito forte, mas mesmo seu poder de voltar no tempo não impediu que sua mãe fosse morta, e que ele levasse toda culpa – plano provavelmente arquitetado pelo mesmo serial killer envolvido em crimes que ele testemunhou na sua infância. Acusado de assassinar sua mãe, Satoru volta, então, 18 anos atrás, no primário, em 1988, a fim de salvar um amigo injustiçado, Jun Shiratori, que recebeu pena de morte por um crime que não cometeu, e três crianças vítimas de um psicopata que conseguira passar ileso por seus crimes.
Boku dake ga Inai Michi é um romance policial cheio de dramas existenciais, com uma trama muito bem desenvolvida que faz qualquer um querer acompanhar atentamente o que irá acontecer no próximo capítulo. Erased lembra em muitos aspectos a famosa série de Gosho Aoyama, Detective Conan, sobretudo pela similaridade de um grupo de crianças envolvidas em uma investigação. No entanto, Satoru não parece ter um grande raciocínio lógico nem as qualidades investigativas de Shinichi Kudo, protagonista de Detective Conan. Trata-se, na verdade, de uma pessoa normal tentando deter as ações de um ardiloso psicopata, cuja identidade desconhece.
Nesse sentido, a vantagem de Satoru reside unicamente na sua capacidade premonitória que o seu poder lhe possibilita. Assim, pode reunir os fatos conhecidos do presente e do passado a seu favor. Contudo, nem mesmo Satoru tem controle sobre seus revivais, tendo que usufruir ao máximo da sua escassa oportunidade. Só há uma única chance de mudar de vez o seu passado, e por consequência, seu futuro. E um dos pontos fortes da série é que nem mesmo o seu poder é suficiente para alterar seu destino, o que demonstra que a empreitada não será fácil. Há, portanto, muitos outros fatores e peculiaridades que convergem para o mesmo resultado.
Mas uma característica interessante da série é que em meio a essa busca incessante para mudar o passado, o ponto central é muito mais sobre as relações sócio-afetivas e questões existenciais do que uma mera busca por justiça. Aliás, a tomada de atitude de Satoru é justamente por se sentir incapaz e impotente diante de delitos que não somente alteraram o curso da sua vida, como lhe impediu de se relacionar com pessoas as quais poderia ajudar no passado. E é por isso que ao voltar para o passado, segue convicto em direção ao seu objetivo. Com uma mente de adulto num corpo de menino, sente-se mais confiante para iniciar amizade com Hinazuki Kayo, a primeira vítima da lista de desaparecidos na época.
A aproximação que teve com Kayo lhe permitiu ver as marcas de agressões que sofria a apática aluna e potencial vítima de sua turma. Com um histórico de violência doméstica, a tentativa de amizade entre Satoru e Kayo surge por meio do apelo e da demonstração sincera de amizade. É incrível ver como mesmo Satoru, tendo já uma mente adulta e madura, só consegue penetrar na vida de Kayo através da sua solicitude perseverante e da expressão sincera de seus sentimentos. É incrível como a experiência de sofrer agressões constantes pela mãe lhe deu uma profunda consciência – ainda que às vezes não seja tão clara assim para ela – da natureza da fragilidade humana, do fingimento e de seus receios. Não raro paramos para refletir o quanto Hinazuki parece ter uma mentalidade avançada para sua idade.
É importante ressaltar que, apesar de Satoru ter um objetivo, a sua motivação íntima se relaciona com um cuidado despropositado com o outro, seja por causa da perda que teve (e isso fica claro quando Satoru passa a dar maior atenção às pequenas atitudes da mãe, após saber que no presente ela está morta), seja pelo desejo de dar o melhor de si como alguém mais ativo e operante em relação às pessoas a sua volta, e também para mudar o rumo da história da sua vida, sem deixar que os laços se percam.
A relação entre Kayo e Satoru pode parecer, à primeira vista, um romance infantil, porém a relação tem mais um teor de pureza, de cuidado e preocupação com o outro, no sentido de proporcionar felicidade na construção de um ambiente solidário e amistoso. E por essa razão não faltam momentos kawai como o dia em Kayo tem seu primeiro café da manhã caprichado pela senhora Sachiko ou quando Satoru leva Hinazuki para ver a grande árvore de natal.
E é essa perseverança positiva de Fujinuma que faz com que os outros meninos passem a admirá-lo. A sua perseverança atrai também o atencioso professor Yashiro, que decide ajudá-lo após verificar sua inusitada coragem em tentar salvar Kayo. Além disso, a referência direta, que faz de si, à imagem de um herói tokusatsu contribui para criar um espaço para um clima mais cômico e ameno, visto que a apreensão se intensifica gradativamente quando se aproxima do fatídico dia do crime e da expectativa que colocamos sobre a capacidade de Satoru alterar seu futuro.
Boku dake ga Inai Michi tem uma atmosfera dramática paradoxalmente equilibrada. Momentos emocionantes é que não faltam, como a cena em que a mãe e avó de Kayo se reencontram, revelando todo histórico de violência doméstica que ela sofria do marido. Por outro lado, também há mensagens positivas e personagens esperançosos como a colega de trabalho de Satoru, Katagiri Airi, que deposita uma confiança em Satoru que pode parecer ingênua, mas que quando se desvela o motivo pelo qual Airi adota essa postura, fica clara a ideia de que é preferível acreditar nas pessoas, mesmo não as conhecendo profundamente, do que correr o risco de julgarmos injustamente um inocente, como aconteceu com o pai de Airi, que foi afastado da cidade após ser acusado de roubo.
Boku dake ga Inai Michi (ou Erased) é um anime que realmente te prende pela multiplicidade de questões com as quais dialoga. Sua centralidade está mais nas questões existenciais como “quem eu quero ser”, ou “o que eu deveria ter feito para que eu não tenha medo de entrar no meu próprio coração”, que nem mesmo o psicopata (e não se preocupe o leitor, pois não vou revelá-lo) escapa à questão do sentido que cada um busca para preencher o vazio do coração. E embora a série tenha todos os elementos que compõem uma boa trama investigativa, no melhor estilo Romanzo Giallo, sem um detetive genial, é claro, Boku dake ga Inai Michi é repleto de uma crítica oportuna ao individualismo radical e apatia que caracterizam nossa sociedade pós-moderna. O que nos aguarda certamente é um final surpreendente. Vale a pena conferir!
Olá, adorei a indicação, sou apaixonada por animes, porém não encontrava mais um que me prendesse, acho que estava sofrendo de ressaca depois de Noragami Aragoto! Mas vou dar uma conferida nesse, parece meu estilo!
http://blogpaginasembranco.blogspot.com.br/
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Olá, Luana! Que bom que gostou da nossa indicação. Boku dake ga Inai Machi é um anime que prende sua atenção do início ao fim e te deixa com muitas expectativas. Confira sim, pois vale muito a pena.
Abraço.
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