Drama Neo Noir foi o debute do diretor Rian Johnson
Como alguns de vocês devem ter percebido, por motivos de força maior fiquei afastado do blog nos últimos meses. Nesse período longe do mundo digital, enquanto empreendia uma verdadeira odisséia atrás de um emprego, consegui terminar alguns contos que tinha guardado já faz um tempo, li alguns livros – alguns muito bons por sinal, como Barba Ensopada de Sangue do Daniel Galera e O Rei de Amarelo do Robert W. Chambers – e claro, vi um bocado de filmes. A maioria repetido. Um deles foi “Brick”, que se você preferir pode chamá-lo por seu título nacional, “A Ponta de Um Crime”. Infelizmente ele não muito é conhecido, mas com o passar dos anos vem ganho um status de cult classic cada vez mais forte. E não é para menos, Brick é um daqueles casos de produções independentes que são verdadeiros achados. O titulo original é uma referencia a um bloco de heroína, compressado na forma de um “tijolo” que dá inicio a toda historia. Vi esse filme pela primeira vez no Telecine, numa madrugada há muito tempo atrás, e se tornou de imediato um dos meus filmes indie favoritos. Na mesma semana corri para alugá-lo na locadora (em tempos de uTorrent acho que nem lembro mais o que é isso) e lembro que enquanto (re)assistia e tentava pegar todos os detalhes da história que tinha deixado escapar, não conseguia parar de pensar que era uma das coisas mais originais que eu tinha visto naquele ano. Ao lado de Donnie Darko, Brick é uma das obras mais interessantes ambientada no universo adolescente, feita na primeira metade da década passada. Revendo hoje, quase uns dez anos depois, é incrível como tudo continua tão ou mais bacana quanto naquela época.
Escrito e dirigido por Rian Johnson, em sua estreia em longas-metragens, o filme conta a história de Brendan (Joseph Gordon-Levitt) um jovem solitário e sarcástico mas dono de uma mente investigativa brilhante, que após receber um estranho telefonema de sua ex-namorada Emily (Emilie De Ravin, a Claire de Lost) poucos dias antes de seu desaparecimento, parte numa investigação pelo submundo de sua escola a fim de desvendar o mistério por trás de seu sumiço. Johnson faz um filme de detetive, com toques neo noir, ambientado numa típica escola secundária americana. O diretor transporta para o universo das High Schools todos os elementos do gênero. Estão lá o investigador obstinado perdido em uma teia de eventos misteriosos; o amigo informante; a femme fatale de caráter duvidoso; o vilão misterioso; e claro, o clima de desesperança e solidão, ampliados pelo modo como o diretor filma as poucas locações onde a história se desenrola.
A forma como Johnson combina todos esses elementos em uma narrativa ágil e empolgante, prendendo a atenção do espectador com um a trama repleta de mistérios já denotava um cineasta habilidoso. Dado a inusitada mistura de gêneros, que a principio causa uma estranheza, seria muito fácil descambar para algo cômico ou caricato, mas o tom de suspense e tensão que ele imprime ao filme é tão forte que é dificil não comprar esse universo, onde adolescentes falam e agem como personagens de romances policiais dos anos cinquenta. A mistura funciona tão bem que Brick até parece ter sido dirigido por David Lynch. Na verdade, acho que isso é proposital, já que Rian chegou a dizer algumas vezes em entrevistas ter se inspirado em Twin Peaks. A influência de Lynch fica ainda mais visível quando o traficante gótico e aleijado The Pin (Lukas Haas) entra na história, lembrando vagamente a fragilidade do vilão asmático de Veludo Azul.
Joseph Gordon-Levitt carrega o filme nas costas com seu carisma e competência habitual, literalmente, correndo de um lado para o outro atrás de pistas, arrancando informações na porrada, passando mais da metade do filme com a cara toda arrebentada – a lá Jack Nicholson em Chinatown –, mas nos poucos minutos que tem de tela Lukas Haas cria um personagem excêntrico e tão interessante quanto. Há um quê de cômico em um traficante gótico que usa o porão de sua mãe para vender drogas, mas a atuação de Haas, munida de um olhar de extremo desinteresse por quase tudo, afasta um pouco essa sensação. O que dizer de um cara que possui um escritório dentro de uma minivan? É uma pena que só vejamos Haas fazendo papéis secundários. De modo geral, todo o elenco, composto em sua maioria de nomes pouco conhecidos do grande público, mandam super bem com atuações sólidas marcadas por diálogos rápidos e afiados. Para quem acompanhava séries como Heroes e Everwood, a presença de Nora Zehetner é um atrativo legal, assim como a participação do ator Richard Roundtree (O Shaft em pessoa) como o vice-diretor da escola.
Mas é nos quesitos técnicos que o filme é mais impressionante. É a prova de que a falta de recursos nem sempre é um problema quando se tem diretores realmente criativos e apaixonados por sua arte. Feito com a bagatela de U$ 475 mil – quantia ínfima para os padrões de Hollywood –, a direção artística do filme é impecável. Johnson usa muito de luz ambiente em suas tomadas externas, em ângulos que parecem ter sido cuidadosamente planejados, e faz um excelente uso das sombras nas cenas gravadas em ambientes fechados, como nas cenas da mansão e do porão. Os poucos efeitos visuais consistem apenas de truques de câmera e efeitos práticos, como por exemplo, o sonho de Brendan, filmado de trás para frente. E Brick ainda tem uma das melhores e mais estilosa cena de perseguição já filmada, onde o personagem de Joseph Gordon-Levitt corre alucinadamente, fugindo de um assassino de aluguel, e o único áudio que se ouve são os passos de ambos pelos corredores vazios de uma escola. Simplesmente sensacional. Junte a isso tudo uma trilha sonora inquietante, composta pelo primo do diretor, Nathan Johnson, e sua banda The Cinematic Underground e temos um dos filmes indie mais legais da década passada.
Além de toda a originalidade e do apurado senso estético, o que eu mais gosto em Brick é que ele me lembra que ainda é possível fazer cinema de qualidade mesmo com poucos recursos. Basta paixão, e muita, mas muita força de vontade. Rian Johnson escreveu o primeiro esboço do roteiro assim que terminou a faculdade de cinema, aos 23 anos de idade, inspirado nos romances de Dashiell Hammett (autor de O Falcão Maltês), e passou os anos seguintes tentando vender a ideia para estúdios de Hollywood. Como não conseguiu, resolveu arregaçar as mangas, pegou empréstimo com a família e os amigos e filmou seu filme de forma independente. Johnson tinha 33 anos quando seu longa foi finalmente lançado. O filme que custou menos de US$ 500 mil para ser feito, fez US$ 2,07 milhões nos EUA, US$ 3,9 milhões ao redor do mundo, além de ser premiado pelo júri por sua originalidade na edição de 2005 do Festival de Cinema de Sundance. Depois disso as portas começaram a se abrir. O diretor escreveu e dirigiu mais dois filmes: Vigaristas, com Mark Ruffalo, Adrien Brody e Rachel Weisz no elenco; e a bacanissíma ficção científica Looper: Assassinos do Futuro, estrelada novamente por seu camarada Joseph Gordon-Levitt, com Bruce Willis e Emily Blunt. O cara ainda teve a manha de dirigir alguns dos melhores episódios de Breaking Bad: Fly, Fifty-One e Ozymandias. Diz aí, o sujeito é bom ou não, é?
Olhando sua trajetória, não é dificil de entender porque o escolheram para dirigir o Episódio VIII de Star Wars – uma franquia que só existe graças a visão e persistência de George Lucas, que continuou tentando tirar do papel sua mirabolante ópera espacial após ouvir repetidos nãos de diversos estúdios. Esse tipo de história sempre me deixa contente, não só por que é um bom exemplo que não se deve desistir apesar das dificuldades, mas por me fazer lembrar que ter comprometimento e paixão pelo que se faz é essencial para ser bem sucedido em qualquer área. Acho que por isso fiz tanta questão de falar desse filme na hora de voltar com o blog. Em meio a um mar de produções bilionárias que só se interessam cada vez mais por números e bilheteria é ótimo ver filmes menores fazendo bonito, e novos cineastas demonstrando tanto apreço e dedicação pelo que fazem.
Se vocês ainda não assistiram, vão correndo assistir Brick. Vale muito a pena. E esperem ansiosamente pelo próximo Star Wars, por que com Rian Johnson, eu tenho certeza de que ele está em muito boas mãos.
Abraços e até a próxima.