E vamos começar o ano com uma indicação de série. Aproveitando que é época de férias (para alguns), nada melhor para passar o tempo do que assistir um bom seriado. E se você é um fã de histórias policiais, com pitadas de humor negro e doses de violência, Fargo é o programa certo.
Agora dezembro eu conclui, com certo atraso, a segunda temporada, e em minha humilde opinião, ela é simplesmente um dos melhores shows da atualidade, ao lado ali de True Detective e Game of Thrones. Como é uma série ainda não muita conhecida por aqui (eu já chego nesse ponto), e a intenção é convencer você leitor a assistir e se surpreender com a série, vou evitar ao máximo os spoilers.
Fargo é a adaptação para a TV do filme de 1996 dos irmãos Ethan e Joel Coen. Assim que foi anunciada eu fiquei bastante curioso. Cético, mas curioso. Achava difícil que a série superasse, ou se igualasse ao filme, mas assim que os primeiros nomes do elenco foram sendo divulgados passei a botar fé no projeto. Acabou que por conta da série não ser exibida em nenhum canal por aqui, só fui assistir a primeira temporada no inicio do ano passado. E qual não foi a minha surpresa ao constatar que o episódio piloto por si só conseguia superar a obra original?
A premissa do primeiro ano é quase a mesma do filme. Mas não se trata de um remake ou reboot para a TV, está muito mais para uma sequência do que qualquer outra coisa. Estão lá todos os elementos do original; o aviso falso logo no inicio que diz que a história a seguir é baseada em fatos reais, o marido perdedor, a policial perspicaz, os assassinatos, o humor negro. Tudo feito com o maior respeito a obra dos Coen. Tem até um pequeno easter egg que conecta o longa de 1996 com a trama dessa temporada.
Se no cinema tínhamos o vendedor de automóveis usados Jerry Lundegaard, vivido por William H. Macy, armando o sequestro da esposa para ficar com o dinheiro do resgate do pai dela, na TV temos o vendedor de apólice de seguros Lester Nygaard, interpretado por Martin Freeman (ótimo), que vê a sua vida virar de pernas para o ar após conhecer o assassino de aluguel Lorne Marlvo, vivido por Billy Bob Thornton (em uma de suas melhores atuações), enquanto a policial Molly Solverson (Allison Tolman) e o policial Gus Grimly (Colin Hanks), tentam solucionar uma série de violentos crimes o qual eles acreditam possam ter o envolvimento dos dois. Entregar mais da trama é estragar as surpresas que o roteiro inteligentemente vai construindo ao longo dos dez episódios, mas tenham em mente que o resultado é incrível. Thornton é sem dúvidas o grande destaque do primeiro ano da série. Não é a toa que o cara levou o Globo de Ouro pelo papel. Lorne Marlvo é basicamente o diabo encarnado. Freeman, Tolman e Hanks têm ótimas atuações, e boa química juntos, mas acabam sendo eclipsados toda vez que o furacão Thornton entra em cena.
A primeira temporada conta ainda com nomes como Bob Odenkirk (o Saul Goodman) como o Chefe Bill Oswalt, Keith Carradine vivendo Lou Solverson, o ex-policial pai da Molly, Oliver Platt como o comerciante Stavros Milos, Adam Goldberb como o Sr. Numbers, e a dupla de comediantes formada por Keegan Michael Key e Jordan Peele na pele dos (hilários) agentes especiais Bill Budge e Webb Pepper.
Assim como True Detective, Fargo segue o formato de antologia. É uma saída inteligente, e um ótimo recurso para inovar e surpreender o espectador em mãos habilidosas. Enquanto a primeira temporada se passava no inverno de 2006, a segunda volta ao ano de 1979 para nos contar uma história ocorrida em Sioux Falls, Dakota do Sul, mencionada algumas vezes pelo policial Lou Solverson (Keith Carradine). A trama acompanha Solverson (agora interpretado por Patrick Wilson), aos 33 anos, recém-chegado da guerra do Vietnã, e seu sogro Hank Larsson (Ted Danson) investigando uma série de assassinatos em uma lanchonete local que pode estar ligado aos Gerhardt, uma família de mafiosos em Fargo. Os eventos ainda envolvem a máfia de Kansas City, e um casal de classe média, Ed e Peggy Blumquist (interpretados por Jesse Plemons e Kirsten Dunst, ótimos) que acabam caindo de paraquedas no meio da guerra que se sucede.
Eu amei a primeira temporada. As atuações, a história, a fotografia… Tudo. Eu já me daria por satisfeito se a série conseguisse apenas manter o mesmo nível de qualidade, mas o segundo ano é até melhor. As tramas são boas, bem desenvolvidas, e os episódios conseguem equilibrar bem o tempo de cada personagem, que torna o resultado mais homogêneo. Todos são igualmente interessantes. Mike Milligan (o ótimo Bokeem Woodbine) é um gangster memorável, nos moldes do Marlvo, com sua fala mansa, mas terrivelmente sanguinário. Os Gerhardt e sua dinâmica totalmente disfuncional também são ótimos. A relação entre a matriarca Floyd (Jean Smart), o impulsivo Dodd (Jeffrey Donovan) e seu irmão Bear (Angus Sampson) me lembrou um pouco à família Corleone do Poderoso Chefão. Plemons e Dunst também dão um show a parte como o casal Ed e Peggy.
Mas para mim o núcleo dos Solverson é o mais legal. Wilson tá ótimo na pele do jovem Lou. A parceria dele com seu sogro, Hank é boa (Danson tá ótimo no papel), mas cenas dele com sua esposa Betsy, vivida por Cristin Milioti (a mãe de How I Met You Mother), são excelentes. É interessante ver como sua astucia ajuda na resolução dos casos. Dá pra entender de onde Molly herdou o faro detetivesco.
Novamente, o elenco de apoio faz um trabalho excelente. O relativamente desconhecido Zahn McClarnon está assustador como o índio Hanzee Dent. Já o ator de Parks And Recreation, Nick Offermarn surge simplesmente impagável como o advogado bêbado Karl Weathers. Mas a cereja no bolo é com certeza a participação especial de Bruce Campbell (o eterno Ash da série Evil Dead/Uma Noite Alucinante) como o presidente Ronald Reagan. Completam o elenco Kieran Culkin (Rye Gerhardt), Rachel Keller (Simone Gerhardt), Keir O’Donell (Ben Schimidt) e Brad Garret (Joe Bullo).
O showrunner da série Noah Hawley é praticamente um irmão perdido dos Coen. Ele conseguiu captar a essência da obra dos diretores. Fargo não dialoga só com o filme homônimo a qual ela é baseada, ela flerta com diversos filmes da filmografia da dupla, como “Onde os Fracos Não Tem Vez”, “O Grande Lebowski”, “Um Homem Sério”, “Barton Fink”. Essas pequenas referências, presentes seja na sensacional trilha sonora, nos discursos, e até mesmo na personalidade e atitude de alguns personagens, só enriquecem a série, e tem um gostinho todo especial para os fãs dos filmes dos irmãos.
Hawley também merece os parabéns pela utilização sutil de elementos fantásticos como pano de fundo de suas tramas principais. Tem um evento específico nesse segundo ano, que simplesmente eleva a genialidade do storytelling da série a níveis intergalácticos. As pistas e indícios foram plantadas durante toda temporada, mas quando finalmente ocorre, é algo que além de surpreender, se encaixa totalmente no momento histórico em que a história se passa.
É uma pena que nenhuma emissora brasileira até agora tenha adquirido o direito de exibição da série. A FOX tá marcando toca, e das grandes. Numa época em que canais pagos brigam para manter a assinatura de seus clientes, uma vez que sites de streaming e torrents se proliferam aos montes por aí, deixar uma das séries mais premiadas e aclamadas dos últimos anos fora da sua grade me parece no mínimo burrice. Quem sabe a Netflix não se interessa, e faça a nossa felicidade em 2016?
Enfim, seja você fã dos irmãos Coen, ou apenas um fã de histórias que não tem medo de arriscar em narrativas mais complexas, Fargo é sem sombra de dúvidas, uma das séries que você deveria incluir em sua lista. Já que a terceira temporada só saí em 2017, nos resta apenas cruzar os dedos, e torcer para que nesse meio tempo alguma emissora traga a série para cá ainda esse ano (Por favor, Netflix, nunca te pedi nada). Vale e muito a pena.
Até a próxima!