Crítica | Logan

Adeus, velho amigo…

Aviso: O texto abaixo contém spoilers, leia por sua conta em risco.

Demorou dezessete anos para finalmente termos um filme à altura do Wolverine. Mas a espera valeu a pena. Ah, se valeu. Logan não é só mais um Blockbuster, ou um simples filme de herói. Ele talvez seja uma das melhores produções do gênero. Sim, Logan é um dos melhores filmes baseados em quadrinhos já feito. Ponto. Mas ele talvez seja mais que isso. Ele talvez seja a prova final de que adaptações de quadrinhos possam ser mais do que uma simples diversão descompromissada. Que aquele gênero que se consolidou lá no inicio dos anos 2000, com o primeiro X-Men e Homem-Aranha, possa realmente entregar filmes dignos de serem considerados obras-prima. Não é a toa que muitos críticos tem o colocado ao lado do Cavaleiro das Trevas do Nolan. Assim como o longa do Homem-Morcego, Logan consegue transcender as amarras do gênero no qual foi concebido para se tornar aquilo que todo cinéfilo mais venera: Um ótimo filme.

Mas vamos lá, o que torna de fato Logan tão especial? Vendido como a despedida de Hugh Jackman do papel do Carcaju, o filme é basicamente um Road Movie com uns toques de Western, carregado de uma atmosfera extremamente nostálgica e triste. As referências ao clássico “Os Brutos Também Amam” não estão lá à toa.

Se é que existe alguém que apesar de todo o tom de melancolia dos trailers, for ao cinema esperando ver uma daquelas aventuras pipocas recheada de cenas de ação, eu sinto muito em lhe informar, mas você provavelmente irá se decepcionar. Logan é um filme denso, triste. Chega a ser depressivo em alguns momentos. Sabe aqueles dramas, que te deixam mal do início ao fim da sessão? Então, é por aí. A história se passa em 2029. Não existem mais mutantes. Os X-Men estão mortos. Wolverine está velho e doente. Suas garras e fator de cura já não funcionam mais como antes. Ganhando a vida dirigindo carros de luxo, e bebendo mais do nunca para suportar o peso dos dias, ele conta com a ajuda do mutante Caliban (Stephen Merchant) para cuidar do Professor Xavier (Patrick Stewart), agora um nonagenário debilitado por uma doença degenerativa que o impede de controlar seus poderes. A única coisa que o Wolverine quer é juntar dinheiro suficiente para comprar um barco e ir morar com Xavier onde nada e nem ninguém possam encontrá-los. Tudo isso muda de figura quando a pequena Laura (Dafne Keen) cruza seu caminho. O outrora herói, que só queria que o mundo o esquecesse se vê então obrigado a proteger a menina de Donald Pierce (Boyd Holbrook) e os Carniceiros. E é isso. O roteiro é até bem simples, mas é como o filme desenvolve essa premissa que faz dele tão grandioso. É o olhar intimista que o diretor James Mangold lança sobre esses personagens que faz com que acompanhar essa jornada valha tanto a pena.

Logan é um dos poucos filmes recentes de heróis que realmente pode se dizer que fora feito para adultos. E não me refiro necessariamente a violência que parece jorrar da tela em certos momentos, mas sim da profundidade com que ele aborda certos temas. Não vou negar que seja do cacete ver o Wolverine finalmente fazendo uso de suas garras de adamantium. A cena do cassino, quando Xavier têm um de seus ataques e o Carcaju vai lentamente cravando suas garras no pequeno exército de vilões é sensacional. Mas notem como ela não é gratuita. Toda vez que o filme descamba para a ação, ela tem um propósito, e melhor, trás consequências. Tem peso de verdade. E é graças a toda essa bagagem emocional que o filme realmente se destaca. Ver o Xavier, uma das mentes mais poderosas do planeta naquele estado é doloroso. Assim como constatar o quão quebrado física e emocionalmente Wolverine realmente está. A ideia de ter Logan carregando uma bala de adamantium consigo, não só para lembrá-lo de quem é e do já fez, mas para poder pôr um fim em tudo caso as coisas fiquem insuportáveis, por si só já demonstra o quão diferente é a abordagem proposta por Mangold e Jackman. E é nesse sentido que acho que digo que o filme fora feito para adultos. Só quem já tomou umas boas porradas ao longo da vida ou perdeu pessoas próximas, consegue entender o sentimento de desesperança e solidão que atormenta Logan.

Isso foi sem dúvidas uma das coisas que mais me marcou no filme. Eu adorei o fato dele ser essencialmente uma história sobre personagens tendo que aprender a viver com as conseqüências de suas ações. De como ele abraça a ideia de culpa, velhice, mortalidade e família de uma forma incrivelmente tocante. As cenas entre Logan e Xavier, toda a relação de pai e filho que eles têm são realmente emocionantes, e de um realismo devastador. Tem duas cenas em especial que mexeram muito comigo. Em uma delas, Xavier totalmente transtornado por conta de sua doença, se vira para seu ex-aluno e diz “você é uma decepção”. O olhar caído de Jackman nessa hora expressa toda a tristeza e sofrimento de seu personagem com aquela situação. Ele realmente parece estar apenas esperando seu mentor partir, mas ao mesmo tempo fica claro que ele vê em Charles sua única razão de viver. E aí que vem o segundo golpe, e talvez uma das falas mais bonita do filme. Em um de seus momentos de lucidez após tomar seus remédios, o Professor X chama Wolverine pelo nome e diz “eu sempre sei quem você é, é que às vezes eu não te reconheço”. Só quem conviveu ou viu de perto alguém com uma doença como Alzheimer entende a real dimensão da situação e como ela é trágica.

Mas nada disso funcionaria tão bem se não fossem as atuações extraordinárias de Jackman e Stewart. Todo o trabalho de linguagem corporal, de expressões faciais se distancia e muito de tudo o que ambos já haviam feito com seus personagens. É incrível como Hugh Jackman mesmo após dezessete anos interpretando o papel, ainda consegue surpreender e demonstrar nuances do Logan nunca vista antes. O mesmo vale para Stewart que comove com a entrega que interpreta a debilidade de Xavier. O mais impressionante é ver a pequena Dafne Keen, segurar a onda de igual para igual no meio desses dois gigantes. A menina é um verdadeiro assombro. E olha que ela passa mais da metade do filme sem proferir uma palavra. Keen convence tanto com seu olhar ameaçador, quanto nas cenas em que X23 demonstra toda sua ferocidade. A interação entre os três é um dos pontos altos do filme. O carinho com que Laura trata Charles, o modo ríspido com que Logan se dirige a menina soa extremamente real. Mérito do elenco e do diretor. A sutileza com que Mangold conduz a história favorece e muito para que toda essa relação familiar para verossímil. A atenção dada aos pequenos detalhes cotidianos ajuda e muito nessa composição. Coisas simples como Logan precisar de óculos de leitura, ou a curiosidade da pequena Laura com um aparelho de mp3.

Mas provavelmente o feito mais notável de Mangold a frente da direção seja o ritmo e o tom que ele imprime a narrativa. Eu gosto de como o filme não faz questão de esmiuçar o que aconteceu com os mutantes, preferindo deixar subentendido. Ele joga umas pistas aqui, outras acolá e é o suficiente para você montar o quebra-cabeça. O longa obviamente se sustenta sozinho, e para ser honesto quase não tem ligação com o resto da franquia. Mas ainda sim é bacana ver o cuidado com que ele evoca passagens de seus antecessores. Mangold dirige com a consciência de que a relação dos espectadores com o personagem fora das telas é vital para que o desfecho planejado surta efeito. Das revistas em quadrinhos com as aventuras dos X-Men, ao garotinho abraçado com seu boneco do Wolverine numa das cenas finais, o longa trata com enorme reverência a relação de carinho que os fãs têm com o personagem e as histórias. E isso não é pouca coisa.

Acho que sendo honesto, uma das poucas passagens do filme que me incomodou foi a morte do Xavier. É um dos momentos mais tristes do filme – quiçá da franquia –, mas confesso que na hora o impacto da cena não me pegou tão forte. Isso por que eu realmente custei a digerir aquela história de outro “clone” do Wolverine. E essa inicialmente seria a única coisa no filme que eu mudaria. Saí do cinema achando que teria sido melhor se tivessem trazido o Liev Schreiber de volta para reprisar seu papel como Dentes de Sabre. Mas quanto mais eu pensava nisso, mais eu gostava do caminho que eles haviam seguido. Por duas razões. A primeira é que ela torna muito mais sofrido o desfecho desses personagens. Charles a principio não entende o que está acontecendo, e pode supor-se que ele acredita ter sido morto por seu velho amigo. Isso torna a preocupação de Logan em explicar que não havia sido ele ainda mais devastadora. E a segunda razão é que o X24 representa perfeitamente o conflito interno do protagonista. É uma forma literal do filme simbolizar a natureza selvagem que o personagem tentou conter durante todos esses anos. É o homem versus o animal. Logan versus Wolverine. É uma escolha totalmente coerente dentro da narrativa. Assim como os vilões principais. Vi alguns poucos reclamando do pouco destaque dado aos Carniceiros e o Dr. Rice, mas sinceramente acho que dentro da proposta do filme o modo como eles foram retratados é perfeito. Logan não é um filme precise (ou caibam) inimigos espalhafatos, ou embates de proporções megalomaníacas.

Logan não é só a despedida de Hugh Jackman do personagem que o alçou ao estrelato. É a sua homenagem ao legado do herói que acompanhamos nos cinemas por tantos anos. É a sua Graphic Novel do Wolverine nas telas. É o fim de um ciclo. E não havia jeito mais icônico de encerrar essa jornada do que ver a cruz de sua sepultura se transformar no X, símbolo do X-Men. Foi difícil segurar as lágrimas.

Obrigado, Hugh Jackman. Obrigado, James Mangold.

Adeus, velho amigo.

Uma resposta para “Crítica | Logan

  1. https://rezenhando.wordpress.com/2017/03/22/rezenha-critica-logan-2017/

    Pronto assisti, não conseguia mais viver sabendo que era um dos únicos seres deste planeta que nunca assistiu a Game of Thrones, The Walking Dead e o Logan, e pra piorar, também não tenho mais celular. Me sentia um extraterrestre, na verdade ainda me sinto, só que a ansiedade diminuiu porque ontem fui assistir Logan, último filme de Hugh Jackman como o personagem mais sanguinário da MARVEL. E como meu melhor amigo Douglas fala incansavelmente desde a primeira vez que ele foi assistir (comigo a terceira), que FILMÃO DA PORRA! Ainda mais depois de 5 minutos com o primeiro FILHO DA PUTA, isso já define para mim quem são os cordeirinhos dos lobos, meninos de homens. Confiram minha rezenha crítica de Logan.

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